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No século XVII começou a formar-se a ideia de “estado-nação”, ou seja, de se ter um organismo político único, o Estado, que correspondesse a um povo só, a Nação. Esse processo durou até o século XIX e XX (HOBSBAWM, 1996).Durante esse tempo, ainda que cada novo “estado-nação” tivesse uma grande variedade de etnias e culturas regionais, decorrentes de passados históricos vividos em separado, forçou-se a ideia de que haveria, fundamentalmente, uma cultura nacional comum a todos os “nacionais”. Haveria uma cultura nacional britânica, uma cultura francesa, uma alemã e ainda uma cultura chinesa e outra japonesa. O “estado-nação” é uma invenção política, ou seja, de dominação e de sujeição (HOBSBAWM, 2008).
Certas vezes, as comunidades regionais que foram afogadas em uma cultura nacional, tentam reviver suas antigas práticas, crenças, identidade física e social, costumes, línguas e histórias por meio de retornarem, com critério ou ainda “inventadamente”, às suas antigas tradições. É o que têm feito os escoceses, no Reino Unido; os catalãs e os bascos, na Espanha; e muitos outros. Esse fenômeno desfaz, contundentemente, a ideia de que os “estados-nações” seriam entidades históricas naturais e não criadas para homogeneizar e/ou estabelecer uma cultura “forçadamente” comum às gentes de várias origens (HOBSBAWM, 2006).
Os países novos, como os Estados Unidos, Brasil e todos os países da América, têm uma história um pouco diferente. Diferente, talvez, porque nossas histórias de “estados-nações” nos estão mais próximas no tempo. Ou seja, a narrativa das invasões e das ocupações de áreas que estiveram, antes, sob o domínio dos ameríndios em sua diversidade cultural notável, aconteceram mais recentemente. Em adição a isso, a vinda dos negros da África, como formadores de nova injeção cultural, é uma novidade em relação aos “estados-nações” da velha Europa. Lá não houve essa contribuição.
Na África Negra e nas áreas de encontro desta com a África Islamita, na beirada do Mediterrâneo, percebe-se um multiculturalismo muito importante. Ele é ainda mais acirrado pelo fato de as potências europeias terem invadido e conquistado territórios que englobavam inúmeras etnias e culturas diferentes, criando-se “estados-nações” ainda mais artificiais (M’BOKOLO, 2009).  Os países africanos hoje existentes são “estados-nações” confusos, com diversas culturas: as das etnias numerosas e uma externa, geral, que reproduz, a seu modo, a cultura da potência europeia que, a cada um, dominou. Estranho que pareça, a língua da potência europeia invasora torna-se o idioma pelo qual os povos díspares se entendem.
Em suma, existem muitas tensões entre as culturas contidas dentro de um “estado-nação” e a criação cultural dos seus governos, a dita cultura nacional que congregaria, ou congrega, insatisfatoriamente, todos os cidadãos. São exemplos disso o Canadá (com suas culturas inglesa e francesa); a Suíça (germânica, francesa e italiana), a China (com suas minorias insistentes em não perder algum mínimo protagonismo); e assim por diante.
No Brasil, observamos uma variedade enorme de etnias e de culturas. Temos, de início, a grande variedade indígena, sobre a qual houve o ingresso de portugueses de diversas regiões da terra lusitana, dos negros que vieram da África, com suas inúmeras tradições animistas e islamitas. Com o tempo, chegaram os imigrantes italianos, os espanhóis, os alemães, os japoneses, os poloneses, os israelitas e os árabes. Agora, neste século XXI, chegam-nos os islamitas de toda origem e ainda os haitianos, os angolanos e os nigerianos.
Somos um pais multicultural. Precisamos nos conhecer em nossas diversidades culturais. Não somos especiais nesse multiculturalismo. Estamos, em linha, com o que experimentam, talvez, todos os países do mundo. Cada um, em dose maior ou menor, tem as mesmas tensões decorrentes da diversidade.
A atualíssima enorme onda de refugiados vindos da Síria e da África em direção do norte da Europa é mostra de que o futuro mostrará muito multiculturalismo a ser trabalhado, com responsabilidade. Observe-se que os diferentes interesses das etnias imigrantes, – que se tornem afluentes e não vão querer perder seu passado e identidade -, não devem levar à instabilidade social ou mesmo a guerras internas.
Cabe a Educação infantil e fundamental, no Brasil, repassar para todas as crianças e os adolescentes de nosso “estado-nação”, o entendimento das nossas inúmeras culturas. Em lugar de se estabelecer que todos devam se pautar por um passado português, o que é inverdadeiro para uma enorme parte de nós, devemos nos entender em toda nossa variedade.
A literatura regional e a étnica ou “imigrante”, e a contação de estórias de todas as fontes étnico-culturais, são um meio para se ter uma população brasileira cooperativa socialmente e lúcida de si mesma. Só com o conhecimento sobre nós mesmos, na nossa diversidade, teremos o nosso “estado-nação” ou a nossa sociedade forte e útil para si, e como exemplo para o resto do mundo.

Referências

HOBSBAWM, Eric. The Age of Revolution, 1789-1848, New York: Vintage Books, 1996.
______________   Nações e Nacionalismo, desde 1780: Programa. Mito e Realidade. 5ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
____________  e RANGER, Terence.  A Invenção das Tradições. 4ª edição, São Paulo, 2006.
M’BOKOLO, Elikia. ´´Africa Negra História e Civilizações – até o século XVII. Salvador/São Paulo: EDFBA/Casa das Áfricas, 2009.

Um pensamento em “Multiculturalismo

  1. É possível afirmar que o multiculturalismo sempre existiu.
    O homem, sempre, foi um ser ansioso em buscar novos horizontes, ou por necessidade de sobrevivência ou por pura e simples conquista.
    Os conquistadores de todos os tempos, sobretudo, o império romano pela extensão de seus domínios, levou a sua cultura aos povos conquistados e, respeitou, minimamente, a desses povos.
    No entanto, apesar do poder de impor suas crenças e valores, teve a sua decadência após quinhentos anos e, na sua religiosidade/cultura sofreu a influência do cristianismo que renunciou ao que preconizava a Palavra do Antigo Testamento, criando imagens para a adoração, posto que, o povo romano e de suas províncias eram adoradores de imagens.
    Quando o autor desse artigo se refere às tensões contidas em países como o Canadá francês e inglês e a Suíça germânica, francesa e italiana e, ainda, às tradições reinventadas pelas minorias de alguns estados – nações,
    não me restam dúvidas sobre esses argumentos.
    Entretanto, isso me leva a refletir, que o que permeia o estado- nação, é essencialmente, a questão da economia.
    As diversidades culturais acabam por ser sublimadas, a partir, do IDH desses países.
    Concordo, que na realidade mundial que se impõe e, sobretudo, na evolução moral que a humanidade precisa buscar,
    a educação às crianças e aos adolescentes buscando imprimir essa compreensão e respeito pelas diversidades culturais, como também, de gênero, sexuais e crenças é de, suma importância.
    No entanto, creio que, havendo um estado – nação que propicie aos seus cidadãos, nascidos ou não em seu território, uma vida em que as suas necessidades humanas e sociais sejam supridas o multiculturalismo só poderá somar e não dividir.

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